sábado, 18 de agosto de 2012

Inatingível



O que sou eu, gritei um dia para o infinito 
E o meu grito subiu, subiu sempre 
Até se diluir na distância. 
Um pássaro no alto planou vôo 
E mergulhou no espaço. 
Eu segui porque tinha que seguir 
Com as mãos na boca, em concha 
Gritando para o infinito a minha dúvida. 

Mas a noite espiava a minha dúvida 
E eu me deitei à beira do caminho 
Vendo o vulto dos outros que passavam 
Na esperança da aurora. 
Eu continuo à beira do caminho 
Vendo a luz do infinito 
Que responde ao peregrino a imensa dúvida. 

Eu estou moribundo à beira do caminho. 
O dia já passou milhões de vezes 
E se aproxima a noite do desfecho. 
Morrerei gritando a minha ânsia 
Clamando a crueldade do infinito 
E os pássaros cantarão quando o dia chegar 
E eu já hei de estar morto à beira do caminho.


Vinicius de Moraes


terça-feira, 14 de agosto de 2012

Como Era Bom


o tempo em que marx explicava o mundo
tudo era luta de classes
como era simples
o tempo que freud explicava
que édipo tudo explicava
tudo era clarinho limpinho explicadinho
tudo era mais asséptico
do que era quando eu nasci
hoje rodado sambado pirado
descobri que é preciso
aprender a nascer todo dia



Chacal

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!...

As rosas nas alamedas,
E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas

Só a triste, coitadinha...
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha ...

Eu chego então à janela:
E fico a olhar para a lua...
E fico a chorar com ela! ...



Florbela Espanca, poetisa portuguesa.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

UM SONHO NO SONHO

Este beijo em tua fronte deponho!
Vou partir. E bem pode, quem parte,
francamente aqui vir confessar-te
que bastante razão tinhas, quando
comparaste meus dias a um sonho.
Se a esperança se vai, esvoaçando,
que me importa se é noite ou se é dia...
ente real ou visão fugidia?
De maneira qualquer fugiria.
O que vejo, o que sou ou suponho
não é mais do que um sonho.


Fico em meio ao clamor, que se alteia
de uma praia, que a vaga tortura.
Minha mão grãos de areia segura
com bem força, que é de ouro essa areia.
São tão poucos! Mas fogem-me, pelos
dedos, para a profunda água escura.
Os meus olhos se inundam de pranto.
Oh! meu Deus! E não posso retê-los,
se os aperto na mão, tanto e tanto?
Ah! meu Deus! E não posso salvar
um ao menos da fúria do mar?
O que vejo, o que sou ou suponho
será apenas um sonho num sonho?


Edgar Allan Poe.