sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A Destruição


Sem cessar, ao meu lado, o Demônio arde em vão;
Nada em torno de mim como um ar vaporoso;
Eu degluto-o e sinto-o, a queimar-me o pulmão,
Enchendo-o de um desejo eterno e criminoso.
Toma, ao saber o meu amor à fantasia,
A forma da mulher, que eu mais espere e ame,
E tendo sempre um ar de pura hipocrisia,
Acostuma-me a boca a haurir um filtro infame.
Longe do olhar de Deus ele conduz-me assim,
Quebrado de fadiga e numa ânsia sem fim,
Às planícies do tédio, infinitas, desertas,
E atira aos olhos meus, cheios de confusão,
Ascorosos rasgões e feridas abertas,
E os aparelhos a sangrar da Destruição!

Charles Baudelaire

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Livre

Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.


Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.



Cruz e Sousa